- Não tenha dúvida, assegura o homem sério para seu interlocutor - tudo pode acontecer...
- Mas... aí aumentam as minhas dúvidas, rebate o rapaz recém-saído da adolescência.
Verdade - pensa o homem com seus botões - tenho que escolher melhor minhas palavras...
Respirando fundo, suspira e emenda sem convicção, que quero dizer, não leve ao pé-da-letra minhas palavras, digo, não quis dizer isso...
- Diga!
Dizer o quê? pergunta a si mesmo o homem, enquanto coça a cabeça e toma ares de quem está considerando a questão.
O que esse tio quer me contar, afinal, indaga-se o jovem, deve ser muito grave...
Para situar o meu caro e raro leitor, a cena é em uma sala austera, nem um pouco confortável, dessas usadas em interrogatórios de filmes policiais.
Uma mesa de madeira e duas cadeiras duras embaixo de uma lâmpada incandescente fraca tornam a sala sombria e abafada, o que aumenta a tensão entre os dois interlocutores.
Se o leitor se afastar um pouco mais verá que a sala é o cenário de uma peça de teatro montado em um palco italiano de um auditório.
E por que o homem está cheio de dedos para contar ao rapaz o que de fato ocorreu?
Talvez uma má notícia, ou quem sabe uma revelação surpreendente para o jovem.
O fato é que o homem não esconde sua tensão e o suor escorre de sua fronte enquanto ele pisca repetidamente.
- Tu precisa encarar os fatos, meu garoto, diz o homem preparando o terreno para não traumatizar o jovem, que a essa altura já não esconde seu incômodo.
- Afinal, quem é o senhor?! Por que o diretor me mandou pro auditório? Eu não fiz nada demais!
- Calma, meu filho, não é nada grave, esqueci de me apresentar, sou o pai da Claudinha, sua colega...
- O que tem ela?! Eu não tenho nada com ela!
- Tem sim, isso que eu vim te contar... Claudinha é sua...- como vou dizer? - admiradora de há muito ...
Agora sim, o jovem não captava mais nada da conversa, nunca imaginaria uma conversa tão surreal.
Claudinha, minha admiradora?! O que esse coroa quer comigo, pergunta-se desconfiado...
- Claudinha é muito tímida, então me pediu que eu viesse te perguntar se tu não queres namorar com ela, disse, enrubescendo, o constrangido pai.
- Vocês dois são doidos varrido ou estão de sacanagem comigo? gritou o jovem levantando-se bruscamente e derrubando a cadeira ao sair correndo do palco.
- Como eu disse antes, tudo pode acontecer, disse o ator, concluindo mais uma peça do grupo de teatro da escola, sob as gargalhadas e aplausos entusiasmados da platéia de estudantes.
Porto Alegre, 3 de março de 2018.
Imagem: Google
Edu Cezimbra
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