"Antes da Redução, a aldeia era composta de gente muito ignorante, que nem sequer tinha uma lista pequena para o Bem e o Mal e, na realidade, nem mesmo dispunha de boas palavras para designar essas duas coisas tão importantes.
Depois da Redução, viu-se que alguns eram maus e outros eram bons, apenas antes não se sabia. Mulher má não quer ir à doutrina, quer andar nua, não quer que o padre pegue na cabeça do filho e lhe besunte a testa de banha esverdeada, dizendo palavras mágicas que podem para sempre endoidecer a criança. Feio, feio, mulher má.”
O
excerto acima é do livro “Viva o Povo Brasileiro”, do escritor
João Ubaldo Ribeiro.
Chico
Buarque e Ruy Guerra são autores da música
“Não existe pecado ao sul do Equador” que
fazia parte da peça sobre Calabar, proibida pela censura da ditadura
militar brasileira.
Não
existe pecado do lado de
baixo do Equador
vamos fazer um pecado, rasgado
suado a todo o vapor
me deixa ser seu escracho
capacho, teu cacho
um riacho de amor
quando é lição de esculacho
olha aí, sai de baixo
que eu sou professor.
baixo do Equador
vamos fazer um pecado, rasgado
suado a todo o vapor
me deixa ser seu escracho
capacho, teu cacho
um riacho de amor
quando é lição de esculacho
olha aí, sai de baixo
que eu sou professor.
Tanto
a peça quanto o livro foram escritas nos mesmos “anos de chumbo”
que amordaçaram a cultura brasileira.
E
ambas tem muito a ver com o povo brasileiro.
O
livro conta de forma metafórica a sua história repleta de epsódios
tragicômicos
que refletem a alma brasileira “para o bem e para o mal”.
A
peça “Calabar: o elogio
da traição” denuncia o autoritarismo do momento através de outra
leitura da vida do suposto traidor Calabar, retratado
como uma pessoa interessada no “bem” do povo brasileiro em
formação.
A
proibição é justificada pelo caráter “antinacionalista” da
peça já que Calabar teria ajudado os invasores (somente eles) holandeses.
O
que me ocorre com a leitura do livro e ouvindo a canção é que o “o
bem e o mal” tão presentes na moral oficial e popular é mais
discursiva
do que prática.
Assim,
pessoas interessadas no bem do povo podem ser acusadas de fazer o mal
ao Brasil (leia-se: aos poderosos de qualquer época).
“Não
existe pecado do lado de baixo do Equador” canta a holandesa de
Calabar que, muito provavelmente, escapou de ser comida pelo caboclo
Capiroba, personagem canibal
do
romance de João Ubaldo, que tomara gosto pela carne branca
holandesa.
Se hoje perdemos o gosto pela carne humana assada não perdemos o gosto pelos pecados da carne apesar de todo falso moralismo vigente.
Fiquemos
pois com a canção de Chico e Ruy Guerra interpretada por Ney Matogrosso
que encarna tão bem a alma brasileira "para além do bem e do mal":
Porto Alegre, 4 de julho de 2018.
Imagem: Google
Edu Cezimbra
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