segunda-feira, 30 de julho de 2018

Viva o Povo Brasileiro


- Se reconhece a ignorância de seu povo, então reconhece que aqueles que não são ignorantes têm o dever de conduzir o resto.

Maria da Fé. líder da resistência popular brasileira, responde ao tenente do exército, aprisionado pelo seu grupo, no sertão de Canudos, desse jeito:

- E vocês não se acham ignorantes? Você sabe tecer o tecido que o veste? Sabe curtir, tratar e coser o couro que o calça? Sabe criar, matar e cozinhar o boi que o alimenta? Sabe forjar o ferro de que é feita sua arma? A sua ignorância é maior do que a nossa. Vocês não sabem o que é bom para nós, não sabem nem o que é bom para vocês. Vocês não sabem de nós. Chegará talvez o dia em que um de nós lhes parecerá mais estrangeiro do que qualquer dos estrangeiros a quem vocês dedicam vassalagem. O povo brasileiro somos nós, nós é quem somos vocês, vocês não são nada sem nós. Vocês não podem nos ensinar nada, porque não querem ensinar, pois todo ensino requer que quem ensine também aprenda e vocês não querem aprender, vocês querem impor, vocês querem moldar, vocês só querem dominar.

Em outro momento do romance, o general reformado Patrício Macário contesta seu irmão banqueiro que chama o povo brasileiro de “degenerado, mestiços sem inteligência, sem firmeza de caráter, sem qualquer qualidade positiva”.

- Você fala como se esse povo lhe fosse estrangeiro,como se nem pertence à mesma espécie que nós.(...) A que diabo de povinho você se refere? Para você todo mundo é povinho, com exceção de quatro ou cinco gatos pingados que você julga estarem à sua altura. Que povinho? Todos? Porque são todos, realmente todos os brasileiros, a que você se refere com esse desprezo. Eu não quero dizer que seus benditos privilégios devam ser tomados, fiquem com eles, mas veja que para isso não é necessário escravizar o povo, mantê-lo na miséria, na ignorância e na doença. Não está vendo que não pode hver um país decente, um país forte, como você diz, cujo povo se já de escravos, miseráveis, doentes e famintos.

Maria da Fé e Patrício Macário são dois personagens marcantes do romance épico de João Ubaldo Ribeiro, “Viva o Povo Brasileiro”.

Ambos mestiços, filhos de pais brancos e mães negras, são o casal arquetípico do povo brasileiro, por assim dizer.

Deles vieram e virão os irmãos e irmãs que formam a Irmandade da Casa de Farinha que se reconhece pela saudação ensinada pelo negro Dandão, seu fundador:

 A saudação, disse ele, é necessária, por isso que não há gente que não a faça, pois ela quer dizer que não somos loucos, já que sabemos que não estamos sozinhos neste mundo, vivemos no meio dos outros e só por causa dos outros é que podemos ser quem somos, do contrário não somos; quer também dizer que cada um dos outros existe, pois, se ninguém saudasse ninguém, todos iam pensar que não existem; quer dizer também que não somos ignorantes...
- A nossa saudação - gritou de repente, levantando o punho fechado e esmurrando o ar à frente do rosto - é assim: viva nós!"


Viva o Povo Brasileiro!

Porto Alegre, 30 de julho de 2018.
Imagem: Google
Edu Cezimbra

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