- Se reconhece a
ignorância de seu povo, então reconhece que aqueles que não são
ignorantes têm o dever de conduzir o resto.
Maria da Fé. líder
da resistência popular brasileira, responde ao tenente do exército,
aprisionado pelo seu grupo, no sertão de Canudos, desse jeito:
- E vocês não se
acham ignorantes? Você sabe tecer o tecido que o veste? Sabe curtir,
tratar e coser o couro que o calça? Sabe criar, matar e cozinhar o
boi que o alimenta? Sabe forjar o ferro de que é feita sua arma? A
sua ignorância é maior do que a nossa. Vocês não sabem o que é
bom para nós, não sabem nem o que é bom para vocês. Vocês não
sabem de nós. Chegará talvez o dia em que um de nós lhes parecerá
mais estrangeiro do que qualquer dos estrangeiros a quem vocês
dedicam vassalagem. O povo brasileiro somos nós, nós é quem somos
vocês, vocês não são nada sem nós. Vocês não podem nos ensinar
nada, porque não querem ensinar, pois todo ensino requer que quem
ensine também aprenda e vocês não querem aprender, vocês querem
impor, vocês querem moldar, vocês só querem dominar.
Em outro momento do
romance, o general reformado Patrício Macário contesta seu irmão
banqueiro que chama o povo brasileiro de “degenerado, mestiços
sem inteligência, sem firmeza de caráter, sem qualquer qualidade
positiva”.
- Você fala como se
esse povo lhe fosse estrangeiro,como se nem pertence à mesma espécie
que nós.(...) A que diabo de
povinho você se refere? Para você todo mundo é povinho, com
exceção de quatro ou cinco gatos pingados que você julga estarem à
sua altura. Que povinho? Todos? Porque são todos, realmente todos os
brasileiros, a que você se refere com esse desprezo. Eu não quero
dizer que seus benditos privilégios devam ser tomados, fiquem com
eles, mas veja que para isso não é necessário escravizar o povo,
mantê-lo na miséria, na ignorância e na doença. Não está vendo
que não pode hver um país decente, um país forte, como você diz,
cujo povo se já de escravos, miseráveis, doentes e famintos.
Maria da Fé e Patrício Macário são dois personagens marcantes do romance épico de
João Ubaldo Ribeiro, “Viva o Povo Brasileiro”.
Ambos mestiços,
filhos de pais brancos e mães negras, são o casal arquetípico do
povo brasileiro, por assim dizer.
Deles vieram e virão
os irmãos e irmãs que formam a Irmandade da Casa de Farinha que se
reconhece pela saudação ensinada pelo negro Dandão, seu fundador:
“ A
saudação, disse ele, é necessária, por isso que não há gente
que não a faça, pois ela quer dizer que não somos loucos, já que
sabemos que não estamos sozinhos neste mundo, vivemos no meio dos
outros e só por causa dos outros é que podemos ser quem somos, do
contrário não somos; quer também dizer que cada um dos outros
existe, pois, se ninguém saudasse ninguém, todos iam pensar que não
existem; quer dizer também que não somos ignorantes...
- A nossa saudação - gritou de repente, levantando o punho fechado e esmurrando o ar à frente do rosto - é assim: viva nós!"
- A nossa saudação - gritou de repente, levantando o punho fechado e esmurrando o ar à frente do rosto - é assim: viva nós!"
Viva
o Povo Brasileiro!
Porto Alegre, 30 de julho de 2018.
Imagem: Google
Edu Cezimbra
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