Lima Barreto denuncia a função repressora da "polícia da república" com genial ironia: " como se sentisse naquele desuso do xadrez a morte próxima do Estado, da Civilização e do Progresso".
Refere-se a um delegado de polícia, pois não.
Coloca a polícia como garantidora do Estado, servindo igualmente a pobres e ricos, com total apoio dos políticos para fazer obedecer a leis escritas por eles.
Para quem não é pobre, negro e favelado poderia soar como elogio à polícia.
Fico a imaginar o modo como Lima Barreto escreveria sobre a atual polícia carioca.
Talvez apelasse para Gregório de Matos, "O Boca do Inferno", alegando como motivo o retrocesso da polícia para milícia, o que exigiria um autor do período colonial, sem citar o amor à própria vida...
Talvez seguisse ironizando a polícia como defensora ds ricos e pobres, mas principalmente dos políticos que escrevem as leis para garantir os privilégios da elite brasileira.
Aqui para nós, Lima Barreto segue atual como podemos ler neste trecho de "Clara dos Anjos e outras histórias":
“Vivia tudo em paz; o delegado não aparecia. Se o fazia de mês em mês, de semestre em semestre, de ano em ano, logo perguntava : houve alguma prisão? Respondiam alvissareiros : não, doutor; e a fronte do doutor se anuviava, como se sentisse naquele desuso do xadrez a morte próxima do Estado, da Civilização e do Progresso.De onde em onde, porém, havia um caso de defloramento e este era o delito, o crime, a infração do lugarejo— um crime, uma infração, um delito muito próprio do Paraíso, que o tempo, porém, levou a ser julgado pelos policiais, quando, nas primeiras eras das nossas origens bíblicas, o fora pelo próprio Deus.”
Porto Alegre, 24 de fevereiro de 2020.
Imagem: Augustus Earle, Google
Edu Cezimbra
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