segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Consciência política de uma residente nos EUA


Consciência política

Gladys perguntou a si mesma porque estava tão contente com a queda de Perón: porque era um regime fascista, respondeu consigo mesma, e era necessário lembrar o que Hitler e Mussolini foram capazes de fazer no poder. Gladys ademais estava contente porque sem Perón não havia risco de que fechassem outra vez a importação de revistas de moda e filmes, e sua mãe não teria mais problemas com o serviço doméstico. E a inflação seria detida.

Residente nos EUA

 Quanto ao tema político, Gladys evitou-o mas Alicia o colocou logo que pode, acusou os EUA pelo bloqueio a Cuba: "você está vendo só, mal um país latino-americano quer se governar sozinho e tratam de estrangulá-lo." Gladys respondeu que Cuba era um horror porque faltava tudo. A discussão não se prolongou porque Gladys começou a falar do problema que significava a viuvez de sua mãe."

Foi Brecht que disse, certa vez, como profundo conhecedor da alma humana, que " não há nada mais parecido a um fascista do que um burguês assustado."

Ao ler os parágrafos acima, extraídos de 'The Buenos Aires Affair', romance do escritor argentino Manuel Puig, acrescentei ao medo da citação brechtiana a frustração, o egoísmo e o desejo de ascensão social que Gladys e sua mãe, Clara, expressam em várias passagens do livro.

Foi ao residir nos EUA que o sonho de ser uma artista plástica foi trocado pelo 'sonho americano'.

Com um emprego de secretária bilíngue, preocupada em poupar dólares acabou como uma tipica cidadã do 'país sem nome' (no dizer de François Truffaut), tendo como referências culturais e políticas os filmes hollywoodianos e suas revistas conservadoras.

Para além da frustração, do egoísmo e da pretensão, o que Puig ironiza categoricamente é a falta de consciência política substituída por bordões repetidos sistematicamente pela indústria cinematográfica e mídia corporativa.

O 'The Buenos Aires Affair' trancorre majoritariamente nas décadas de 50 e 60 do século passado, mas apenas com os dois parágros que destaquei o leitor atento pode perceber como é persistente e sedutor esse 'affair'...


Porto Alegre, 31 de outubro de 2016.

Edu Cezimbra

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Lisboa


                        Lisboa

            

                Cidade pequenina

                                           aldeia

                      às margens do rio

                            por ti batizado

                                          Tejo


                     Lisboa sentimental

                                            amante

                     beldade pulcra

                                em ti muitos

                                   Pessoas

 

                Urbana geografia

                                   grávida

                         navio ancorado

                                orbitando o mundo

                                                Todo

 

               Face de Portugal

                                    ultrapassado

                               olhos abertos

                          encaras febril

                                   África

                                           Ásia

                                           Brasil 

 

Porto Alegre, 28 de outubro de 2016.
Foto: Francisco Cezimbra 

Edu Cezimbra

Macbeth: falas sobre a traição


MACBETH

Não me atrevo a contemplar de novo o que fiz.


LADY MACBETH

Covarde! Dá-me essas adagas. Estão como mortos, parecem estátuas. És como uma criança a quem assusta a figura do diabo. Eu sujarei de sangue a cara desses guardas. (Ressoam pancadas.)


MACBETH

Não bastaria todo o oceano para lavar o sangue dos meus dedos... 


MACDUFF

Chora sem trégua, pobre Escócia! Horrível tirania pesa sobre ti. Os bons calam-se e ninguém se atreve a resistir. Tens de sofrer os teus males com paciência e calma, pois o teu rei treme e vacila. Senhor, julgas-me mal. Eu não seria traidor nem mesmo ao preço de toda terra que esse malvado se apossou, nem por todas as riquezas do Oriente.



MALCOLM

Além disso ruge uma condição tão indomável que se fosse rei, nada me custaria matar um nobre para o despojar de suas herdades e castelos, ou condená-los por falsas acusações embora fosse um espelho de lealdade para enriquecer com seus despojos.


MACBETH

Se não nos abandonarem os traidores, sairemos ao encontro dos adversários e derrotá-los-emos frente a frente. Mas que ruído é este?

Sou Macbeth.


O JOVEM SIWARD
Nem o próprio Satanás pode proferir nome mais detestável. 



Selecionei algumas falas desse clássico shakeaspeariano para ilustrar como funciona a mente de traidores e conspiradores, assim como as previsíveis consequências funestas de tais atos perversos.


 Essa foi outra semana vexaminosa para o Brasil no campo das relações internacionais.


Uma das mais veementes demonstrações foram as palavras de ordem de uma manifestação política na Venezuela: "a Venezuela não é o Brasil."


Depois de ler as falas selecionadas que chamei de uma 'sketchpeariana' hás de convir que o Brasil, atualmente, está mais para a Escócia de Macbeth (até no uso da mesóclise)...



Porto Alegre, 28 de outubro de 2016.

Imagem: Wikimedia Commons

Edu Cezimbra 

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Os eleitos


Há qualquer coisa danosa
Nas palavras usuais...
Veja a política, apesar da alta costura
Democracia prêt-à-porter faz bem.
Para que a liberdade aconteça
Antes aconteça a igualdade.
Se fala de 'eleitos', e pior, eles assim
Se consideram, por serem os mais votados,
Ganham carta-branca para rasgar a Carta Magna.
São os 'campeões' de votos, mas sem votos
De pobreza, por favor! Votos de silêncio,
Nem pensar! E o que dizer de votos de castidade?
Aí sim, não são nada religiosos, embora todos
Tenham 'religião'... Note os termos em questão:
Todos definitivos, indiscutíveis, ninguém ouse atacá-los
Do alto de seu panteão, de suas torres de marfim.
Fazem de hetaira a democracia, dela abusam como serva...
E fazem dessa prostituída democracia pretexto 
Para suas negociatas de ocasião.
Aos eleitos, um povo eleitor, nunca um povo eleito,
Que dirá representado, se representantes são de grandes 
                                                                          [corporações,
De minorias abastadas, deixando como saldo 
                                                           [maiorias abastardadas,
Despossuídas, desvalidas, sem guarida...
Deixo aqui uma outra palavra antiquada, profecia:
Dia desses essas torres de marfim desabarão e quem nelas estiver
Juntos todos cairão nos braços do povo eleito.


 Porto Alegre, 26 de outubro de 2016.

Foto: cena do filme 'Gladiador'

Edu Cezimbra

terça-feira, 25 de outubro de 2016

João e Maria pós-moderno



Au...au...au… imitou João.

Miau...miau… correspondeu Maria.

Entre latidos e miados, rosnados e ronronares, João e Maria brincavam de cão e gata.

Fiu...fiu… cantou João.

Cocorocó… debochou Maria.

E, assim, entre trinados e cacarejos, assobios e onomatopéias, representavam alegre e inocentemente seus papéis sexuais.

E, enquanto imitavam animais domésticos, sem perceber, afastaram-se de suas casas e adentraram na floresta…

Perdidos, pois os passarinhos tinham comido seus pedacinhos de doritos, subiram em uma árvore para tentarem se orientar.

Mim Tarzan, sugeriu João.

E, eu, a Virgem, defendeu-se Maria.

Prosseguiram a caminhada, em meio a uma desmatada floresta, quando se depararam com uma feericamente iluminada ...fantástica fábrica de chocolate.

E a casa de doces?

Ora essa, não desconfias? - a bruxa malvada tinha se associado com o Wonka, e como empreendedores de visão tinham aberto, ao lado, uma fábrica de medicamentos contra a diabetes.
 

João e Maria, devido aos traços arianos, foram imediatamente contratados como atores de comerciais da fábrica de chocolates. Não voltaram para casa, atualmente moram em Hollywood.

Moral da História: não tem...


Porto Alegre, 25 de outubro de 2016.
Foto: João e Maria , Vogue
 Edu Cezimbra

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Belchior


Brasil
Eu sou
Latino-americano
Como nossos pais
Homens e mulheres
Iludidos e lesados pela
Ordem e progresso
Rotineira e vulgar

Belchior,
Apenas um rapaz latino-americano
Sem dinheiro no banco;
Ainda somos os mesmos
E vivemos como nossos pais:
Tudo é divino, tudo é maravilhoso!

Belchior no Brique da Redenção em 1990

Uma singela homenagem ao cantor e compositor cearense que nessa quarta-feira, 26/10, completará 70 anos.

 Porto Alegre, 24 de outubro de 2016.

Edu Cezimbra
 

sábado, 22 de outubro de 2016

Discutindo a relação

Fugit amor dalla porta dell'inferno

Os papéis sexuais são ou não decisivos na discussão da relação? 

Papéis são aprendidos desde criança, especialmente na família e na vida em sociedade.

A discussão da relação se dá principalmente quando ocorre uma infidelidade - a familiar e condenada traição -, quando o par amoroso vira um triângulo amoroso, às vezes um quadrado, quando não um tratado de geometria...

Do jeito que está o amor não precisa mais de lição de anatomia, mas de trigonometria.

Sem falsos moralismos, mas a promiscuidade sexual não deixa de ser um moralismo já disse um famoso psicanalista.

Aliás, como vendem bem os livros que pretendem 'discutir a relação' a partir de papéis definidos: 'Homens são de Marte, Mulheres são de Vênus' , deixando no ostracismo os muitos deuses e deusas do diversificado panteão greco-romano.

Porque só no panteão greco-romano, sem falar nas outras mitologias, sobram 'papéis' para escrever muitos livros sobre homens e mulheres...

O grave desse 'Leito de Procusto' da auto-ajuda é que a vida das pessoas é submetida a julgamentos baseados em estereótipos e clichês que acabam complicando demais as relações pessoais.

A vida não é uma novela das oito, embora muita gente ainda faça da sua vida uma novela...

A dificuldade dessas pessoas é perceber que mais que uma novela as suas vidas são um documentário da TV Escola, que poucos gostam de assistir, a não ser se 'vale nota'.

Convenhamos, as pessoas não dão muito valor a suas biografias, no entanto, esse conhecimento de si mesmo através da "quaestio mihi factus sum", do latim: "converti-me numa questão para mim", ou a mais conhecida máxima socrática "conhece-te a ti mesmo" é básico.

E o que isso tem a ver com os papéis sexuais na discussão da relação, deve estar se perguntando o leitor atento.

Sei não, mas desconfio que tem tudo a ver, não acha?...

Porto Alegre, 22 de outubro de 2016.

Foto: escultura de Auguste Rodin

Edu Cezimbra




quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Sobre nomes



"Não te confundas com o nome da forma
Nem com a forma do nome." (Antônio Caldaso)

Qual é o teu nome? De que família és? O que teu pai faz?

Quem já não foi submetido a um interrogatório desses? O motivo oculto: descobrir a classe social do interrogado, se isso já não estiver impresso em sua pele.

Condição 'sine qua non' para ser admitido no 'Clube'.

Prática 'aceitável', até vista como 'sociável', tanto que é praticada pela maioria do povo.

Só quem foi 'barrado no baile' sabe de sua função de filtro, pior, de base para a discriminação, segregação e exclusão sociais.

Quem nasceu em cidade pequena sabe muito bem do que trata este interrogatório aparentemente 'inocente'.

Dependendo da resposta estarão fechadas as portas de acesso a melhores condições de vida.

Se pobre ou rico, empregado ou patrão, vai carregar essa condição econômica e social pelo resto de sua vida.

"Ah, esse menino tem nome"...significa que tem posses, futuro assegurado, portas abertas por ser de 'boa família', enfim, "um bom partido"...

Ah, esse é um 'pé-de-chinelo', 'não tem onde cair morto', 'pobre coitado'...sentenciado pelo nome a trabalhos forçados pelo resto de sua sofrida vida...

Mas, atenção, não podem tirar a ilusão dos 'pobres coitados' de que eles podem 'subir na vida', senão arrombam a porta do 'Clube'.

Então, para isso serve a 'meritocracia': permite que alguns poucos 'sem-nome' passem espremidos pela 'peneira' social, econômica e cultural.

Não é por acaso que tantos milhares de jovens pobres da periferia submentam-se insistentemente às 'peneiras' de clubes de futebol de todas as divisões profissionais na esperança de criarem um nome como jogadores de futebol.

Outra maneira rápida e fácil de escapar da 'vala comum' é ter seu nome estampado com fotos em jornal.

O personagem 'Zé Pequeno', do romance 'Cidade de Deus', do escritor Paulo Lins, é arquetípico dessa inflação  inconsciente: pronto, até que enfim, conseguiu aparecer em um jornal, melhor ainda, na TV, agora já pode morrer feliz...

Embora 'Zé Pequeno' tenha 'colegas' entre variados segmentos, nessa busca por ter seu nome destacado a qualquer preço, entre os quais destacam-se políticos, banqueiros, 'socialites' e 'playboys'.

'Te cuida, Zé Pequeno': a concorrência está forte...

Porto Alegre, 20 de outubro de 2016.

Edu Cezimbra 


Dia do Poeta


'Dia do Poeta', 20 de outubro.


 Porto Alegre, 20 de outubro de 2016.

Edu Cezimbra

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Amor e Ódio




Tão odiados quanto amados
Por uns e outros e tantos.
Amor odiado por broncos,
Ódio amado por tontos.

Tão amados quanto odiados
Por amortizados amantes,
Em odaras amancebados
Exalam odores de amores.

Ó Deus, bendizem gritos altos;
Ó diabo, negam choros baixos,
De quem ama, de quem odeia.

De quem odeia, de quem ama,
Ó de casa! chama a amargura,
Ó dor de amor, sabe à amarula.



Porto Alegre, 19 de outubro de 2016.

Foto: Francisco Cezimbra

Edu Cezimbra

terça-feira, 18 de outubro de 2016

A viagem ainda não acabou


Uma viagem só termina quando esquecida...

Por isso a mente e o espírito 'seguem viagem' mesmo depois da volta para casa.

Não se escreve em um diário a experiência íntima e única que se vivenciou, apenas se descreve o lugar.

Fotos ajudam mais em seguir recordando de uma viagem, mas ela acontece com ou sem fotos.

A viagem prossegue quando se vê em um filme um lugar em que se passou e não se entrou.

Um bom livro te faz seguir passeando junto com o personagem na cidade em que é ambientado.

O que faz uma viagem não acabar é essa estranha sensação de 'ainda ter estado por lá'...

Sensação física, mesmo, de pisar o chão, de prosseguir caminhando em uma calçada, rua, estrada ou trilha.

De sentar em um café, bar ou restaurante e descansar da caminhada enquanto saboreia uma bebida ou comida típica.

É o ar local que dá o sabor especial a um prato típico e que te faz seguir viajando...

A viagem continua quando um entardecer permanece mesmo depois de cair a noite onde moras.

Quando outro viajante te leva de volta ao ponto onde ambos estiveram em diferentes épocas. 

Uma viagem não termina, enquanto se estiver de malas prontas, para prosseguir esta incrível aventura de viver!

Só então se percebe que uma parte de ti nunca voltou e que a viagem ainda não acabou...

Porto Alegre, 18 de outubro de 2016.

Foto: Francisco Cezimbra

Edu Cezimbra




segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Idade das Trevas



A luz bruxuleante da vela e o cheiro da cera derretendo acompanham essa crônica( escrevo à luz de vela).


Um silêncio sepulcral quebrado pelo uivo dos cachorros dos vizinhos forma um quadro tétrico para uma noite escura após um forte temporal.

Pingos d'água a cair dos telhados e das folhas das árvores da mata completam a trilha sonora.

Romântico à beça, não fosse o bate-estaca de uma festa 'rave' na praia...

Na praça em frente, as luzes da iluminação pública são um deboche para os moradores de várias ruas sem energia elétrica há mais de oito horas.

Alguns moradores viram o carro da companhia elétrica (CEEE) passar em frente às suas casas várias horas antes e os funcionários religarem a energia nos postes 'do outro lado da rua'.

As palavras que lhes ocorrem devem ser 'descaso', 'incompetência', 'despreparo dos terceirizados'.

Vou ficar com 'falta de logística' em emergências, como são as quedas de energia elétrica após temporais.

Depois de mais de doze horas, por volta da meia-noite, a luz elétrica voltou para apagar os tocos de velas e os moradores saíram mais uma vez, com atraso, da idade das trevas, para o gozo do direito a um serviço essencial, atualmente, de alto custo.

Porto Alegre, 16 de outubro de 2016.

Edu Cezimbra 


Rotina



Porto Alegre, 17 de outubro de 2016.

Edu Cezimbra

sábado, 15 de outubro de 2016

Ao mestre, a pergunta certa


O difícil não é dar a 'resposta certa', o difícil é fazer a 'pergunta certa'.

Uma pergunta certeira como uma flecha que acerta o centro do alvo foi a que um pajé fez: "para  que vocês, brancos, vão para a escola, para destruir nossas florestas?"

Um outro mestre dizia que sua aula para ser boa tinha que deixar muitas perguntas ao invés de uma resposta certa.

Teve até um educador que aboliu as séries, as provas, as aulas, até a figura do professor transformada em tutor, com excelente aproveitamento de seus alunos, ou melhor, cidadãs e cidadãos responsáveis pela escola.

Aquele outro que conseguiu fazer com que as crianças 'mal pudessem esperar' para ir à escola tão divertida e atraente que era...

Certo mestre chegou ao ponto de fazer sabão, brinquedos educativos produzidos pelas crianças, provando que sua pergunta era certa: "dá para fazer educação embaixo de uma mangueira?"

Há quem faça da escola uma orquestra ou companhia teatral em tempo integral.

Uma educadora indígena não aceitou a pergunta do branco: "o que você vai ser quando crescer". Pergunta errada, cara-pálida, nós já somos gente, disse ela, queremos aprender a defender nosso modo de ser. 

E um mestre africano respondeu magistralmente a uma pergunta certeira:

"É preciso toda uma aldeia para educar uma criança."

Porto Alegre, 15 de outubro de 2016.

Foto: Mães de Uma Nova Escola

Edu Cezimbra

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

'A Sombra do Vento' e a Televisão



"Fermín Romero de Torres, que siempre estaba al tanto de todos los invientos, habia profetizado ya, lo que iba a suceder.
- La televisión, amigo Daniel, es el Anticristo y le digo yo que bastarán tres o cuatro generaciones para que la gente ya no sepa ni tirarse pedos por su cuenta y el ser humano vuelva a la caverna, a la barbarie medieval, y a estados de imbecilidad que ya superó la babosa allá por el pleistoceno.
Este mundo no se morirá de una bomba atómica como dicen los diários, se morirá de risa, de banalidad, haciendo un chiste de todo, y además un chiste malo."
Não fiz uma 'tradução livre' para o português deste trecho de 'La Sombra del Viento', de Carlos Ruiz Zafón, para não perder o sabor literário do original em espanhol.

Convenhamos: que talento desse escritor! Botar na boca de seu antológico e folclórico personagem 'Fermín' palavras tão contundentes sobre a nossa sofrida espécie.

Digo espécie - e não humanidade-, porque esta 'está em falta', como podemos constatar nessa reflexão do 'assessor bibliográfico de Sempere e hijo', donos de uma modesta mas bem servida livraria em Barcelona.

Aliás, as muitas 'pérolas' literárias desse muito lido romance de Zafón provém, em sua maioria, desse personagem cômico e cativante pela sua humanidade, o ex-mendigo anarcoliterário 'Fermín Romero de Torres'.

A forma como descreve o efeito pernicioso do 'mass media', em particular da televisão, nas pessoas, é perturbador para um leitor atento e sensível.

Zafón, também por intermédio de 'Fermín' diz que um grande trunfo dos ricos é fazer com que os pobres queiram também ser ricos.

Digo eu - concordando com mais essa 'pérola ferminiana': - que é um trunfo e tanto...

Pois, quem almeja algo jamais vai atacar ou destruir o objeto anelado, concorda?

E, nesse aspecto, a TV é uma indispensável aliada, hoje em dia, pois a maioria de sua programação é feita para 'programar' as mentes e corações, reforçando essa ilusão de ascensão social pelo esforço próprio.

Na TV, tudo é feito de maneira a esconder a verdadeira 'fórmula mágica' para obter riquezas que é basicamente a exploração do trabalho alheio.

Também se mostrassem acabaria a ilusão, ou não?

Como escrevi em um pitaco no Facebook, outro dia: "pobre vota em rico, assim como joga na loteria."

Pense nisso. Já pensou?!...

Porto Alegre, 14 de outubro de 2016.

Edu Cezimbra 
 

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Como se escreve Justiça?


Diz uma detenta do "Grupo Como Se Escreve Liberdade?" da Casa Albergue Feminino - CAF, em Porto Alegre : 


"A Justiça tem uma venda nos olhos. Dizem que é para fazer o bem sem olhar a quem. Mas quem é quem, meu bem?"

Um pouco mais adiante, questiona:

"A lei cobra e a pessoa paga. Mas quem cobra da Justiça? Quem cobra dos juízes, dos promotores, dos advogados, dos diretores e funcionários dos presídios, e quando eles erram, se omitem, humilham, abusam do poder? Nós estamos cumprindo a lei, mas e estas pessoas? Elas que são as guardiãs da justiça, estão acima da lei? Será que juiz é um César, que pode tudo?"

Essa é uma das "Cartas da Prisão' do livro 'Pombo-Correio' e foi escrita em 02 de maio de 2009, mas parece que foi escrita hoje, não?

E a pergunta da presidiária: "será que um juiz é um César, que pode tudo?" certamente seria respondida com um sonoro 'SIM'...

Este 'Pombo-Correio 1' é concluído com outra pergunta fulminante, assim formulada:

"(...) Parece que só nós somos culpadas, mas não somos. Só que a gente foi julgada e está respondendo pelos nossos erros. E aí não pode cometer o menos errinho.  Por exemplo: se a pessoa está no semiaberto e está trabalhando,não pode chegar nem cinco minutos atrasada, senão é punida, pode até perder o direito ao aberto. Mas se vamos falar em justiça, vamos ser justos: quem pune a justiça por seus atrasos e seus desmandos?"

O forte e incisivo texto da carta já é mais que suficiente para se entender a gravíssima situação em que se encontra a sociedade brasileira frente ao seu sistema judiciário.

A partir dele surgiram para mim outras questões.

Por que passados e durante todos esses anos (quase três décadas) da redemocratização do Brasil esse sistema de justiça foi mantido inalterado apesar de ter servido à ditadura militar?

Com que intenção ele foi mantido? Oculta, obviamente...

A quem interessa a manutenção de um sistema jurídico tão arcaico quanto iníquo, que hoje é categorizado como 'estado de exceção'?

As respostas mais rápidas e objetivas dos analistas políticos dão a medida do grau de exacerbação do arbítrio jurídico a que se chegou no Brasil.

Já as respostas mais resolutivas não serão dadas por especialistas (embora estes tenham a dar uma contribuição importante). 

Essas respostas urgentes e indispensáveis para o Estado de Direito vigir devem ser dadas pela sociedade brasileira que se pretenda civilizada e democrática.

Livros como 'Pombo-Correio: Cartas da Prisão' são parte dessa resposta.

Para os interessados, contatar com ALICE - Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação pelo e-mail: alice@alice.org.br e solicitar a trilogia 'Mulheres Perdidas e Achadas: Histórias para Acordar".


Porto Alegre, 12 de outubro de 2016.

Edu Cezimbra






terça-feira, 11 de outubro de 2016

Calendário


A folhinha quadriculada
Com números em colunas
A contar os dias
É uma grande parada.
Alinhada marcialmente
A semana marcha
Disciplinada, ordeiramente,
Em passo de ganso,
Rumo ao fim do mês.
Na cadência dos batalhões
Militares, sem errar o passo,
Desfila o ano em divisões.


Porto Alegre, 11 de outubro de 2016.

Edu Cezimbra

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

O fim do mundo


Reza o senso comum que 'fim do mundo' é uma pequena cidade ou lugarejo, mais ainda se na beira de um abismo.

Tem um caminho de ida que acaba nele...

'É um fim de mundo' dizem seus detratores.

Mas tem quem goste...Para fugir do mundo nada melhor que o fim do mundo.

O mundo está tão velho e doente que tem gente torcendo pelo meteoro, ao invés de um novo mundo.

Milenarismos à parte, a torcida do meteoro tem lá suas razões...

O que esta sofrida torcida carece é de visão de mundo, a 'weltanschauung' dos filósofos.

Como finaliza o documentário 'Home': "é tarde demais para ser pessimista'.

O mundo, nossa casa, é habitado por milhões de espécies que formam sua resiliente teia da vida.

Mesmo com o 'sucesso' do meteoro haveria muitos sobreviventes, graças ao instinto de sobrevivência das espécies (quem sabe ainda dê tempo de com elas aprendermos).

Então, para sairmos do fim do mundo, na beira do abismo, temos que retornar pela estrada que a ele nos levou, aprendendo com as pessoas que moram nele.

'As voltas que o mundo dá', não?...


Porto Alegre, 10 de outubro de 2016.

Foto: cidade de Wadi Dawan, Yêmen

Edu Cezimbra

Pitacos Políticos de Outubro


  • Pobre vota em rico assim como joga na loteria.
  • Depois do golpe, a ditadura vem a galope...
  • O maior perigo para uma sociedade é quando quem não acredita no que convém a poucos começa a ser perseguido por muitos. A isto chamamos fascismo.
  •  O Ministério da Saúde adverte: "Não confundam presunção de inocência com presunto inocente"...
  • Pré-requisito do desgoverno Temer: BO...
  • Ouvi dizer que o Temer quer sair do vermelho vendendo o patrimônio público. Credo, parece viciado...
  • O General Inverno não deterá a Prima Vera!
  • Modo fofo de governar: sofre um golpe, vê as garantias sociais serem destruídas e promete ajudar na transição...
  • Nota de apoio ao Sr. Juiz Moro: A Associação de Mordomos vem declarar seu total apoio às investigações da Lava Jato. Nunca antes na história do romance policial e de suspense o mordomo não é o primeiro suspeito, e sim um peão, vulgo 'Lula".
  • Embriagante poesia, ainda mais acompanhada de um bom vinho...
  • José 'Pepe' Mujica disse que as derrotas ensinam mais que as vitórias. Veremos...
  • Nada mais patético que um(a) ex-petista magoado(a)...
  • Estou calculando mais de 50% de abstenções, nulos e brancos na eleição de 2º turno para prefeito de Porto Alegre. Lamentavelmente isso não anula a eleição, mas que deve deixar os políticos sob suspeição deve. Embora os políticos estão pouco se lixando para qualquer coisa depois de eleitos (caso não sejam do PT).  
  • Pela primeira vez na história das eleições municipais de Porto Alegre as abstenções foram maiores que o número de votos do candidato mais votado. Não foram computadas as "abstenções de consciência de classe", a não ser que haja mais de 200 mil empresários em Porto Alegre...
  • E viva a liberdade de imprensa!...
Facebook, outubro de 2016.

Foto: do filme 'Caçada ao Outubro Vermelho'
Edu Cezimbra

domingo, 9 de outubro de 2016

Nada de Novo no Front


Erich Maria Remarche, veterano da Primeira Guerra Mundial, escritor alemão, em seu romance 'Nada de Novo no Front' conta a dura e inglória luta de soldados alemães para sobreviver na frente de batalha.

O romance de Remarche causou muita polêmica na opinão pública - e escândalo no governo alemão -, porque destruía a visão romântica da guerra incutida no imaginário social pelos filmes oficiais de propaganda de guerra.

Ao invés de heróis indômitos, o que o livro mostra são homens maltrapilhos, esfomeados, amedrontados.

Não à toa, em 1933, Remarche teve que se exilar na Suíça para fugir da perseguição nazista pelos seus romances 'pacifistas'.

Mudam as datas das guerras, a forma como são travadas, os motivos para a declaração da guerra. Não mudaram quem provoca as guerras.

Os estados nacionais vão para a guerra por 'razões de estado'. Muitas vezes por  ocultas motivações, não declaradas, apesar de declararem a guerra sob qualquer pretexto...

Uma dessas motivações ocultas é mostrada magistralmente por George Orwell no romance '1984': o 'estado de guerra permanente' mantém a população submissa e, mais, apoiando o seu 'denodado' governo.

E, quando não há guerra declarada, forjam uma 'guerra fria'. Nesta, também, apesar do conflito entre ideologias, há um ganho para ambos os lados do conflito pois mantém o apoio interno aos seus  governos.

Qutra conduta comum entre os diferentes estados beligerantes é esconder o 'resultado' dessas guerras, como conta Remarche.

'Compreensível'... Afinal, se as pessoas vissem o estado deplorável com que voltam (quando voltam) seus bravos guerreiros certamente não apoiariam tão entusiasta e cegamente seus generais e políticos que fizeram a guerra.

Bem lá no fundo, as nações não guerreiam entre si, mas contra a humanidade, assim parece, ao se saber de tantos crimes de guerra cometidos em nome de Deus e da Pátria.


Porto Alegre, 9 de outubro de 2016.

Foto: 'Nada de Novo no Front', 1930 

Edu Cezimbra

sábado, 8 de outubro de 2016

Poetize-se


Poesia não se lê
Em cada verso
Há um vice-verso
Precisa demorar
Namorar o poema
Degustar palavras
Olhar as entrelinhas
Prenhes de sentidos

Poesia não se lê
Não há lógica
Aqui uma licença
Ali uma figura
Espia divertida
A brincar de esconder
Entre a fantasmagoria
De enevoada página

Poesia não se lê
Poema não há
Há sim um poeta
A balbuciar versos
Repetidos sem cansar
Até que de repente
Fica estonteado
Com o giro das palavras

Porto Alegre, 8 de outubro de 2016.

Foto: Monet

Edu Cezimbra


sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Mensagem de Fernando Pessoa


"O Ocidente, futuro do passado"

"A vida é breve, a alma é vasta:
O mito é o nada que é tudo.
Se a alma que sente, e faz conhece
Todo começo é involuntário.
As nações todas são mistérios.
Dá-nos o exemplo inteiro
Busca o oceano por achar:
Quando Deus faz e a história é feita.
Que enigma havia em teu seio
Em dia e letra escrupuloso e fundo.
Claro em pensar, e claro no sentir.
Não fui alguém. Minha alma estava estreita
Não coube em mim minha certeza;
Que auréola te cerca?"

Montei este 'poema' com um verso de cada dos quinze primeiros poemas  de 'Mensagem' de Fernando Pessoa.

Escolhi uns versos que muito me tocam e outros que dão sentido ao 'poema', respeitando inclusive a pontuação original.

A 'colagem' que fiz é com a singela intenção de destacar a genialidade do poeta português que nos agracia com versos de uma inigualável inspiração poética.

Ao invés de uma antologia poética uma 'seleta versejatória' de Pessoa.

Espero que gostem e se me perguntarem:
"Valeu a Pena? Tudo vale a pena 
Se a alma não é pequena.", responderei.


Porto Alegre, 7 de outubro de 2016.

Edu Cezimbra

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Massacre em Macondo


Poema inspirado no romance 'Cem Anos de Solidão', de Gabriel García Marquez
  
"Foi lá por 85"

Foto: 'Victoria Gloriosa', de Diego Rivera

Edu Cezimbra

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Pobre Povo Brasileiro



"O não-politizado é como marido que é traído e não sabe."
O autor da citação acima é o Zé Perdiz, um homem do povo,  pobre, mecânico de dia, e homem da cena teatral brasiliense de noite, pois transforma sua oficina em teatro, e que se sabe 'politizado' e logo traído e, por isso, um sofredor. 

Em sua consciẽncia política sabe que o 'não-politizado' não sofre conscientemente com os desmando dos políticos brasileiros. Ao menos, não se dão conta disso, apesar das reclamações cotidianas...

Com outro discurso, mas abordando o mesmo tema, Pedro Serrano, acadêmico do Direito e articulista manifesta assim essa questão em seu livro 'A Justiça na sociedade do espetáculo':

" O povo pobre brasileiro só recebe do Estado obrigações e violência.
A ausência real de universalização dos direitos fundamentais da pessoa humana em nossa sociedade é o sintoma claro de uma cultura fascista, genocida e esquizóide que ainda existe em meio a nossa ordem democrática e pela qual todos somos em alguma medida responsáveis."  

O 'povo pobre brasileiro' não é o mesmo que o 'pobre povo brasileiro', embora dele faça parte. É parte do  'povo', uma das categorias fundamentais que constituem um país, segundo a geografia básica, embora com nenhuma ou pouca participação política. 

Seria o 'não-politizado' da classificação empírica do Zé Perdiz...

'Pobre povo brasileiro' é uma alcunha que me valho para um contraponto, digamos, uma extrapolação da expressão 'povo pobre brasileiro' do acadêmico Pedro Serrano.

Quaisquer das expressões é uma adjetivação do povo constituinte da nação brasileira.

'Pobre nação brasileira' afundada no fosso entre seus poucos ricos e seus muitos pobres...

Como disse o escritor moçambicano Mia Couto:  "A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos."...

Conhecendo um pouco do Mia Couto quero crer que riqueza para ele tenha mais a ver com cultura, educação, saúde, democracia, justiça do que com apenas acesso a bens materiais.

Para concluir apelo para o genial poeta português Fernando Pessoa, parafraseando um dos versos de 'Mensagem': Senhor, falta cumprir-se o Brasil.

Porto Alegre, 5 de outubro de 2016.

Edu Cezimbra 


terça-feira, 4 de outubro de 2016

Limpeza


E aí, limpeza?...Até poderia ser a saudação de certo candidato a prefeito.

Quando falam em 'limpar um pátio' pode esperar desmatamento, queimada e terraplanagem seguidas de todas as consequências perversas: erosão do solo, impermeabilização, gramados e tudo o quem vem de roldão.

'Clear' grita o soldado pisando em cadáveres. Chegou-se ao ponto de falar em 'limpeza étnica' na maior frieza...

Assim parecem nossas praças, parques, ruas e quintais depois da passagem de uma 'equipe de limpeza' (ou seria um pelotão?): um monte de cadáveres de árvores abatidas friamente, com montes de folhas e flores cortadas em nome da 'limpeza'.

Não bastasse toda essa devastação da biodiversidade, essa 'limpeza' vem acompanhada de calçadas de concreto, asfaltamento de ruas de paralelepípedos, estacionamentos para carros particulares e consequentemente muitas ilhas de calor  causadas pela falta de sombra das árvores e do asfalto e do concreto nas cidades.

O ruído ensurdecedor das motosserras e a fumaça das queimadas são a trilha sonora e o pano de fundo destas cenas de guerra.

De onde vem essa 'mania nacional', afinal? Não vem de nossos indígenas...

A história dá a primeira pista desse crime contra a natureza e a vida.

Quem viaja pelos estados brasileiros, primeiramente ocupados pelos colonizadores portugueses, pode avaliar o tamanho desse desastre ambiental que acabou com mais de noventa por cento da Mata Atlântica.

Toda essa devastação ambiental e genocídio indígena em nome da civilização européia, que associava a floresta ao 'inferno verde' com seus demônios e animais perigosos.

Por isso, a primeira tarefa dos colonizadores era 'limpar' o mato e colocar em seu lugar uma capela com casario à sua volta, pintar um cartão e enviar para a Europa a fim de convencer potenciais interessados em migrar de que o Brasil era um 'país civilizado'. 

Ainda hoje, as pessoas 'normais' tem mais horror de um terreno baldio com árvores, arbustos e 'ervas daninhas' do que de um terreno entulhado com embalagens, sacos e garrafas pláticas.

E disso vem a segunda pista para solucionar este crime hediondo: é o'preço do progresso' dizem os maníacos da limpeza...


Porto Alegre, 04 de outubro de 2016.

Edu Cezimbra

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Pequena Rosa


Poesia inspirada no poema ditado de uma vez para mim, pela Íris 'Flores'(5 anos), minha netinha, hoje de manhã, para sua maninha recém-nascida!
ROSA
Bem-vinda
Para nosso jardim
Onde as flores
Crescem rápidas
E a mana e o mano
Estão a te esperar

Porto Alegre, 2 de outubro de 2016.
Edu Cezimbra