A cena ocorre na Bastilha.
Molière, o autor, e Tartufo, a personagem estão cara a cara, separados pelas grades da prisão.
Molière, com muito tato, pergunta a Tartufo:
- Senhor Tartufo, conte-nos como viestes parar na Bastilha...
Tartufo coça a cabeça, olha para o teto da prisão pensando em mais uma das suas falsidades:
- Meu digníssimo senhor Molière, hás de convir que pela minha dedicação ao Céu e aos mandamentos da Igreja essa foi a maior das injustiças - data venia - cometida pelo nosso augusto Príncipe.
Molière ajeita a longa peruca, alisa seu vistoso lenço de renda e quer a confissão dos crimes de Tartufo:
- Diga-nos, senhor Tartufo, sem tergiversações, o que lhe fez cair nessa horrenda masmorra.
Tartufo, sempre atento às oportunidades, cobra de Molière:
- Contar-lhe-ia, sem mais delongas e com riqueza de detalhes, se Vossa Senhoria arranjar-me uma boa, digo mais, polpuda doação...
Molière, que conhece bem a personagem Tartufo, massageia o seu ego:
- Senhor Tartufo, sua recompensa será a fama e a imortalidade.
A Tartufo seduz a fama, embora não lhe seduza a imortalidade na Bastilha:
- Meu nobre senhor, falai-me mais dessa imerecida e gratuita fama...
Molière não tem papas na língua e traça o retrato falado do tratante Tartufo:
- Teu nome, Tartufo, será eternamente associado com a personificação do homem cínico, inescrupuloso, que abusa da credulidade e da boa fé alheias com a perversa intenção de enriquecer ilicitamente com a fortuna do próximo.
Tartufo não perde a pose, finge que não lhe diz respeito o ácido julgamento de Molière e proclama:
- A tremenda injustiça cometida contra a minha devota e pia pessoa será sentida por muitos Tartufos no futuro!
Molière balança negativamente a cabeça e cai o pano na Bastilha...
Porto Alegre, 11 de julho de 2023.
Imagem: cena de Tartufo
Edu Cezimbra
Pois é....e tem muitos Tartufos por aí.
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