sexta-feira, 30 de junho de 2017

Rei vem e rei vai


"Vamos ver o rei, vamos ver o rei, e o rei é este homem barbado, cheirando a suor, de armas sujas, e os cavalos não passam de azêmolas peludas, sem raça, que para a batalha vão mais para morrer do que para volteios de alta escola, porém, apesar de tudo ser afinal tão pouco, não se deve perder a oportunidade, porque um rei que vem e que vai nunca se sabe se volta." 

José Saramago, na "História do Cerco de Lisboa" retrata o Rei D. Afonso Henriques, considerado um dos pais da pátria portuguesa, com menos pompa e circunstância do que Fernando Pessoa, em "Mensagem":

Pai, foste cavaleiro.
Hoje a vigília é nossa.
Dá-nos o exemplo inteiro
E a tua inteira força!
Dá, contra a hora em que, errada,
Novos infiéis vençam,
A bênção como espada,
A espada como bênção!

"O rei que vem e que vai, nunca se sabe se volta" pode soar com um rei refém...

Refém de quem, afinal? Da história? Não da história portuguesa, como sabemos, mas do ficcionista, sim.

Saramago com seu estilo sinuoso e alongado vai e vem nessa crítica nem tão sutil aos revisionismos históricos, assumindo o alter ego de revisor na figura de Raimundo Silva.

No caso da "História do Cerco de Lisboa", um "NÃO" acrescido pelo revisor, altera completamente a narrativa histórica.

Realmente ( palavra bem adequada, não?) os reis povoam a História acadêmica e as histórias populares, sempre presentes, ora como heróis, ora como vilões...

"Que um fraco rei faz fraca a forte gente", cantou Camões em "Os Lusíadas"...

Macbeth é outro rei vilão, pintado por Shakeaspeare como um exemplo de ambição, traição e crueldade que merece o repúdio de seus súditos.

Não vou cansar o meu atilado e raro leitor com exemplos de reis incensados pela história e pelas lendas, pois estes não faltam, - nem mesmo no cordel e escolas de samba...

Encerro essa breve digressão sobre reis com a constatação de que o Brasil, apesar de ter poucos exemplos de "fracos reis", preenche esse quesito com um presidente "hors concours" no que tange à vilania e repúdio dos brasileiros.

Porto Alegre, 30 de junho de 2017.



Foto: cena de "Kagemusha"



Edu Cezimbra

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