quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Comentário vespertino de leitura matinal



As maravilhas que a ciência tem conseguido realizar, por intermédio das artes técnicas, no campo da mecânica e da indústria, têm dado aos homens uma crença de que é possível realizá-las iguais nos outros departamentos da atividade intelectual; daí, o orgulho médico, que, não contente de se exercer no âmbito da medicina propriamente, se estende a esse vago e nebuloso céu da loucura humana.Eu tinha muito medo do meu médico da secção Pinel; ele tinha o orgulho e a fé na sua atividade intelectual, e os pontos de dúvida que deviam tirar do seu espírito o sentimento de sua evidência, pareciam que antes reforçavam-no.
O excerto acima é do livro de Lima Barreto, "Cemitério dos Vivos", onde o escritor brasileiro do início do século XX, narra sua vivência como interno do "Hospício Nacional", no Rio de Janeiro.

O texto questiona a "ciência" psiquiátrica da época com a agudeza de quem, além de escritor, tem formação científica qualificada. Em síntese, epistemologia.

O medo ao médico da secção Pinel do hospício é assim justificado por argumentos racionais irrefutáveis.

O que Lima Barreto aponta é que os muitos erros médicos e a brutalidade terapêutica que tanto marcaram o campo da psiquiatria no século passado poderiam ser evitados se o orgulho e a fé cega em princípios científicos fosse equilibrada com a escuta dos pacientes e leigos.

Na época, Freud e Jung já exerciam sua atividade médica através da psicanálise e obtinham bons resultados através da escuta de seus pacientes.

Muitas décadas depois, Nise da Silveira, psiquiatra brasileira, obtém significativas melhoras nos internos da Colônia de Alienados de Engenho de Dentro, também no Rio de Janeiro de Lima Barreto, valendo-se dessa escuta tão desejada pelo sofrido escritor.

Fico a imaginar o encontro de Lima Barreto com Nise da Silveira, o quanto teriam para conversar e aprender um com o outro, e como isso faria bem a todos nós, internos desse imenso e insano Hospício Nacional...


Porto Alegre, 21 de dezembro de 2017.

Imagem: Instagram

Edu Cezimbra








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