As maravilhas que a ciência tem conseguido realizar, por intermédio das artes técnicas, no campo da mecânica e da indústria, têm dado aos homens uma crença de que é possível realizá-las iguais nos outros departamentos da atividade intelectual; daí, o orgulho médico, que, não contente de se exercer no âmbito da medicina propriamente, se estende a esse vago e nebuloso céu da loucura humana.Eu tinha muito medo do meu médico da secção Pinel; ele tinha o orgulho e a fé na sua atividade intelectual, e os pontos de dúvida que deviam tirar do seu espírito o sentimento de sua evidência, pareciam que antes reforçavam-no.
O excerto acima é do livro de Lima Barreto, "Cemitério dos Vivos", onde o escritor brasileiro do início do século XX, narra sua vivência como interno do "Hospício Nacional", no Rio de Janeiro.
O texto questiona a "ciência" psiquiátrica da época com a agudeza de quem, além de escritor, tem formação científica qualificada. Em síntese, epistemologia.
O medo ao médico da secção Pinel do hospício é assim justificado por argumentos racionais irrefutáveis.
O que Lima Barreto aponta é que os muitos erros médicos e a brutalidade terapêutica que tanto marcaram o campo da psiquiatria no século passado poderiam ser evitados se o orgulho e a fé cega em princípios científicos fosse equilibrada com a escuta dos pacientes e leigos.
Na época, Freud e Jung já exerciam sua atividade médica através da psicanálise e obtinham bons resultados através da escuta de seus pacientes.
Fico a imaginar o encontro de Lima Barreto com Nise da Silveira, o quanto teriam para conversar e aprender um com o outro, e como isso faria bem a todos nós, internos desse imenso e insano Hospício Nacional...
Porto Alegre, 21 de dezembro de 2017.
Imagem: Instagram
Edu Cezimbra
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