Em "Doroteia" o teatro de Nelson Rodrigues chega às raias do absurdo.
Virulento, cáustico, implacável ao extremo.
Quem viu a peça ou a leu há de convir que seu texto é a mais ferina crítica de todas desse dramaturgo brasileiro, crítico ferrenho da falsa moral burguesa.
Já em Doroteia não há falsa moral mas um moralismo extremista.
As 3 irmãs são os exemplos acabados da repressão sexual das religiões patriarcais.
Insuperáveis entre todas as mulheres na rejeição à própria sexualidade.
Nelson Rodrigues,"o anjo pornográfico", vai fundo na caracterização das oprimidas e opressoras primas de Doroteia.
Não há espaço, nem físico nem mental, para qualquer insinuação de sexo na casa das três irmãs...
Sem quartos, sem leitos, sem homens a vida das primas de Doroteia transcorre obscura, árida e assexuada até a chegada dela.
Recebida com muita desconfiança e hostilidade pela sua beleza é cobrada por não ter "a náusea" no leito nupcial.
"A náusea" aparece na tradição familiar como genética.
Imperativo categórico na repulsa à sexualidade feminina.
Como sabemos, "o anjo pornográfico", não é nada feminista, muito antes pelo contrário...
As mulheres são pintadas como algozes de si mesmas.
O ódio não é contra os homens já que na peça estes não são visíveis.
O que transparece em "Doroteia" é a negação total da vida através da crença de que o sexo é sujo.
Uma mulher de e da família tem obrigatoriamente de sentir "a náusea" durante a noite de núpcias.
E, paradoxalmente, quando a náusea não vem a morte sobrevém...
Nem Freud explica.
Porto Alegre, 12 de agosto de 2022.
Imagem:cena de "Conversa de Botas Batidas", Espaço do Ator
Edu Cezimbra
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