segunda-feira, 8 de outubro de 2018

O poeta pela poeta



Morreu Wisława Szymborska (1923-2012), Nobel de Literatura de 1996. 

De autoria da senhora Szymborska:

"O poeta, independentemente de educação, idade, sexo e preferências, permanece no seu coração o herdeiro espiritual da humanidade dos primórdios. Explicações científicas sobre o mundo não o impressionam muito. Ele é um animista, um fetichista, que acredita nos poderes secretos adormecidos em todas as coisas, e está convencido de poder mexer com essas forças com a ajuda de um punhado de palavras bem escolhidas. O poeta pode até ter recebido um ou outro título com distinção e louvor, mas no momento em que se senta para escrever um poema, seu uniforme da escola racionalista começa a pinicar sob os braços. Ele se retorce, bufando, abre primeiro um botão, depois outro, até arrancar a roupa de uma vez, expondo-se diante de todo mundo como um selvagem que leva uma argola no nariz. Isso mesmo, um selvagem. Do que mais se pode chamar uma pessoa que fala em versos com os mortos e os não-nascidos, com as árvores, os pássaros, e até mesmo com abajures e pernas de mesa?"

Ouso comentar as palavras da escritora Wisława Szymborska: o poeta é um selvagem porque não gosta de roupas, proclama a poeta.

Sim, e digo mais, são as roupas sintéticas que pinicam seus braços.

O poeta é alérgico a produtos industriais. Especialmente aqueles dos antigos uniformes escolares.

O poeta é um desescolarizado por natureza mesmo quando frequenta escolas.

Não por acaso o poeta é herdeiro de uma antiga tradição. 

A tradição animista é fetichista e o fetiche do poeta são as palavras escolhidas, ou melhor, colhidas na Árvore da Vida.

O poeta é um xamã. É quem através de versos conversa com os ancestrais, com os animais e até com os objetos.

Esse chamado das palavras é irresistível para o poeta pois são palavras inspiradoras.

O poeta se despe dos tecidos industrializados da cultura de massas para sentir na pele o hálito incandescente do espírito da humanidade.

Se "o Verbo se fez carne", o poeta é encarnação das palavras criadoras da Vida.

Porto Alegre, 8 de outubro de 2018.
Imagem: Google
Edu Cezimbra

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