O
líder indígena Ailton Krenak conta em entrevista ao Museu da Pessoa
que aprendia com os pés livres, querendo dizer com os pés no chão,
e lembro que me corrigiam quando falava "tô com o pé no chão": “pés descalços”,
porque todo mundo anda com o “pé no chão”.
Está
aí um bom exemplo do poder das palavras, já que “pé no chão”
significa estar em contato com a realidade, uma certa realidade,
digamos, “civilizada”...
O
“pé livre” de Ailton Krenak e seu aprendizado através do tato,
sentindo a terra, seja areia, barro ou matéria orgânica demonstra
bem o intuito desta crônica sobre as minhas memórias da terra: "pé
livre, cabeça livre" completa ele.
Fui
um menino de cidade pequena do interior e muito protegido pela minha
mãe. Logo, tinha que estar sempre com os pés presos "em
chinelos de dedo", sandálias de couro ou tênis “conga, bamba
e depois os cobiçados kichutes” Lembro que até de chinelos de
dedo jogava, pois pelo fato de andar sempre com um calçado não
conseguia colocar os pés no chão como meus amigos. E dê-lhe a
chutar a bola, pedra, guanxuma e terra com o que estivesse no
pé!
Só
bem mais tarde fui me acostumar ao contato direto com a terra através
de meus “pés livres”, por isso tive meus primeiros contatos com
a terra através das mãos. E terra era o que não faltava ao meu
redor. Terra e pedra, já que a nossa rua não era calçada. Quando
chovia, além do banho de chuva, minha diversão era fazer “atacação”
da água da sarjeta com pedras e, já viu, barro... Olha que formava
cada lago artificial em frente a minha casa!
Recordo
que na esquina da minha rua tinha uma casa abandonada aparecendo
aqueles tijolos grandes cimentados com barro, que desconfio tivesse
sido escavado e feito ali mesmo. Em dias de chuva formava um barro
que era uma “tabatinga” grudenta e uma das diversões da gurizada
era salpicar a casa em ruínas com punhados de barro, quando não
começávamos a jogar uns nos outros...
Brincar
na terra era muito “útil” pois os terrenos em volta da casa
ofereciam ótimos materiais para montar miniaturas de cidades, com
estradas, casas e já não podiam faltar, os carrinhos. Pessoas eram
os soldados e índios do “Forte Apache”.
A
nossa casa nesta época era cercada por terrenos sem construção e
uma das minhas “iniciativas” foi iniciar uma horta em um dos
terrenos com sementes de rabanete que meu pai vendia em seu bolicho.
Não lembro se chegamos a comer os rabanetes, já que para minha
indignação meu irmão até xixi fez na horta,mas que eu mexia
bastante com a terra, isso eu recordo...
Desconfio
que este contato com a terra possibilitou a mim uma boa saúde, pois
ao contrário de meu irmão e primo, não tinha problemas alérgicos
com suas tosses e asmas, que redundavam em cuidados extremados por
parte de minha mãe e tia.
Estas
memórias da terra na infância ajudam-me a sentir , hoje, adulto e
avô o quanto foi bom para meus filhos e netos terem esta oferta de
aprendizado com a terra, já que minha companheira também tem boa
memória telúrica por sua infância e adolescência terem sido em um
sítio onde ainda hoje vamos passar uns dias em visita a sua mãe e
irmãos.
Amassar
o barro para uma biocontrução é uma memória da terra mais
recente, mas que evoca muito esse fundamento de quanto nos
humanizamos em contato direto com ela.
E
você, já pisou na terra hoje com os pés livres?...
Edu Cezimbra, verão de 2015.
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