segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Mares nunca dantes navegados

 


"Para que abrimos os mares nunca dantes navegados? Para que descobrimos as regiões e os climas não conhecidos? Para que contrastamos os ventos e as tempestades com tanto arrojo, que apenas baixio no Oceano, que não esteja infamado com miserabilíssimos naufrágios de portugueses? E depois de tantos perigos, depois de tantas desgraças, depois de tantas e tão lastimosas mortes, ou nas praias desertas sem sepultura, ou sepultados nas entranhas dos alarves, das feras, dos peixes, que as terras que assim ganhamos, as hajamos de perder assim? Oh! quanto melhor nos fora nunca conseguir, nem intentar tais empresas!"
- Sermões, Pe. Antônio Vieira

"Foi durante o reinado de Yung-Lo que o Almirante Cheng Ho liderou seis grandes expedições navais que chegaram até a costa da África, quando os portugueses estavam recém-chegando a Ceuta", conta-nos José Luís Fiori.

Padre Vieira cita o verso de Camões, n'O Lusíadas': "Por mares nunca dantes navegados".

Como constatamos, uma inverdade histórica, aceitável em um poeta épico, questionável em um padre que prega "verdades bíblicas".

O que me leva a perguntar o que a História tem de bíblica, já que Vieira usa muito a Bíblia em seus Sermões, traduzindo o latim para seus paroquianos.

Nesse "Sermão" interpreta versículos de livros do Velho Testamento adaptando-os para os fatos de sua época a favor de Portugal.

Vista por este recorte a "licença poética" para Camões pode ser concedida ao Padre Vieira e, muito depois, para Fernando Pessoa.

A propósito, é o poeta Fernando Pessoa que considera o Padre Vieira "o imperador da língua portuguesa".

José Saramago, que era ateu, talvez por conhecer História, não tinha uma visão triunfalista de Portugal.

A ironia dessa história é que foi Padre Viera o perseguido e preso pela Inquisição católica portuguesa.

Fica a sugestão  para os "atuais" intérpretes das Escrituras: quando forem dar sermões, antes, vejam bem a quem... 

 

                                           

Porto Alegre, 12 de dezembro de 2022.

Imagem: Cheng Ho, Google 

Edu Cezimbra

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