Infância da imaginação, imaginação da infância
Saudades do deslumbramento de criança com o mundo, com a vida, com as "historinhas" (gibis) , filmes, com tudo...
O olhar de criança é de grande valia para um cientista, um poeta, um romancista, um pintor, um arquiteto; enfim, para todos os que precisam imaginar a sua obra.
Estava tentando imaginar como seria escrever uma crônica sobre o olhar de uma criança, há alguns dias, e nada...
Até que ontem apanhei na minha estante, ao acaso, um número da revista literária "Granta" e eis que me deparo com esta joia de texto de George Steiner intitulado "Heráldica", que me dou o trabalho de transcrever aqui:
"Era um guia ilustrado dos brasões de uma cidade principesca e dos feudos que a circundavam.(...) Até hoje sinto a tensão do deslumbramento, o choque interno que esse "pacificador" fortuito desencadeou. O que é difícil de traduzir em linguagem adulta é a combinação, quase fusão, de encantamento e ameaça, de fascínio e constrangimento, experimentada enquanto me retirava para o meu quarto, as calhas transbordando sob os beirais açoitados pela chuva, e nas horas cheias de encanto em que fiquei ali sentado virando as páginas, entregando à memória os nomes ostentosos de torres, castelos e personagens importantes."
Era isso que eu queria dizer, a "isso que eu me refiro"!
Esta fascinação pela coisa observada, um transe quase mediúnico, que não conhecia cansaço, tédio, tempo ou lugar, totalmente envolvido, em êxtase!
O tempo parava ao observar qualquer fenômeno da natureza, em especial tudo o que se movia, como a água correndo pelas ruas de terra batida, uma fileira de formigas carregando folhas de cinamomo no muro de casa, ou o bailado de uma libélula a lavar a roupa no tanque (chamávamos a libélula de lavadeira).
Recordo agora que meu avô Sejanes, quando já idoso, parava na porta de seu bazar Cairu ("vende mais barato que tu", escrito em uma diminuta plaquinha!) e ficava observando atentamente as formigas para meu espanto de adolescente...
Espero chegar a velhice com este olhar de criança do meu avô!...
Edu Cezimbra, verão de 2016, (na companhia das cigarras)
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