quinta-feira, 24 de maio de 2018

Assuntos impróprios



Disse Paul Valéry: “O homem de hoje não cultiva o que não pode ser abreviado”.

O filósofo Theodor Adorno debruçou-se sobre o que chamou de “indústria cultural”. Observou que “as pessoas aos poucos vão parando de criar seus próprios assuntos.”

Não é muito difícil perceber a analogia com o “fordismo” e o taylorismo”.

Uma linha de montagem em série não é muito estimulante para a criatividade, vamos combinar…

Já Paul Valéry estaria prevendo o advento do Twitter…

Não esqueçamos que na época dele já havia o telégrafo; por exemplo, veja como a poeta Cora Coralina parabenizou o colega Drummond em seus aniversário:


Embora não escrevam telegraficamente temos alguns escritores que primam - se não pela abreviatura -, pela concisão, casos de Graciliano Ramos e Ernest Hemingway.

Outros, no entanto, primam pela prolixidade como estilo, casos de Guimarães Rosa e José Saramago.

Suponho que Valéry não estivesse se referindo aos filósofos gregos, ou a Nietzsche e Wittgenstein com seus famosos aforismos que têm a capacidade de dizer em poucas palavras questões filosóficas de muita profundidade.

O poeta Pablo Neruda ironizou a “falta de assuntos próprios” dos homens modernos com uma tirada: “escrever é fácil, você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca ideias.”

E é aí que eu quero chegar...afinal por que perdemos essa capacidade criativa? Será “apenas” a indústria cultural ou há algo mais para tão poucas ideias?

Sei não, mas desconfio que os anos de escolarização também são decisivos nessa “falta de assunto próprio”.

As pessoas adultas criativas antes foram crianças que sobreviveram a escolarização porque o mais difícil não é aprender, mas desaprender.

Outro ponto que Adorno alerta é a perda dos velhos laços humanos e da subjetividade e, acredite, isso tem muito a ver com a falta de originalidade da maioria das pessoas modernas.

É que como sabem os nossos ancestrais africanos com sua filosofia do “ubuntu”: nos aprendemos uns aos outros...

PS: crônica livremente inspirada em anotações do IHU Ideias com Marcelo Leandro dos Santos debatendo a ‘A triste ciência de Theodor Adorno'

Porto Alegre, 24 de maio de 2018.
Imagens: Google
Edu Cezimbra

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