Toda ponte tem dois lados, todos sabem.
Exceto a ponte que eu cruzava para ir à escola.
- Onde é que tu mora?
- No "outro lada da ponte" - respondia, assim como todos os que moravam nas vilas mais pobres da cidade.
Seria engraçado, não fosse triste.
Havia a cidade e o outro lado, separado pela ponte.
Até parece que havia só um lado na ponte.
Desconheço se há outras cidades que tem o "outro lado da ponte" como separação, ao invés de ligação.
Pontes, afinal, tem esta elevada função...
Dá a impressão que a ponte era levadiça e havia um fosso entre o castelo e o povo.
Povo eram as vilas miseráveis onde se amontoavam os refugiados do campo.
Tinha o "Povo da Lata" que não tinha traficantes de maconha como pode estar pensando o meu caro e raro leitor.
Era paupérrimo o "outro lado da ´ponte", mas também havia povo na cidade, entre eles o "Povo Novo".
Enfim, havia muito povo na periferia da cidade, que com ou sem ponte, estava no "outro lado da ponte"...
Parecia a "Ponte para o Futuro" do Temer.
Felizmente, graças aos governos que o antecederam o "outro lado da ponte" virou cidade.
O escritor Cyro Martins nem reconheceria o lugar descrito em seu livro "Estrada Nova".
Aproximavam-se de Alegrete. Faltava a Ricardo a necessária coragem para fazer a pergunta que naturalmente lhe ocorreu: "E o que lhe resta depois de tantas testavilhadas? Isto, entretanto, seria como que faltar ao respeito a um homem já com tantas ofensas à sua seriedade. Mas seu Fábio adivinhou-lhe o pensamento, não tardando em rematar a conversa.
- E agora - fez um gesto desguaritado, de mãos espalmadas - só me resta a "aldeia" do Batista ou o "povinho da lata" do Alegrete.
O trem encabeçou na ponte do Ibirapuitã, apitando. Rancherio, poeira, pobreza.
Porto Alegre, 18 de maio de 2021.
Imagem: arquivo pessoal
Edu Cezimbra
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