terça-feira, 18 de maio de 2021

O Outro Lado da Ponte

 


Toda ponte tem dois lados, todos sabem.

Exceto a ponte que eu cruzava para ir à escola.

- Onde é que tu mora?

- No "outro lada da ponte" - respondia, assim como todos os que moravam nas vilas mais pobres da cidade.

Seria engraçado, não fosse triste. 

Havia a cidade e o outro lado, separado pela ponte.

Até parece que havia só um lado na ponte.

Desconheço se há outras cidades que tem o "outro lado da ponte" como separação, ao invés de ligação.

Pontes, afinal, tem esta elevada função...

Dá a impressão que a ponte era levadiça e havia um fosso entre o castelo e o povo.

Povo eram as vilas miseráveis onde se amontoavam os refugiados do campo.

Tinha o "Povo da Lata" que não tinha traficantes de maconha como pode estar pensando o meu caro e raro leitor.

Era paupérrimo o "outro lado da ´ponte", mas também havia povo na cidade, entre eles o "Povo Novo".

Enfim, havia muito povo na periferia da cidade, que com ou sem ponte, estava no "outro lado da ponte"...

Parecia a "Ponte para o Futuro" do Temer.

Felizmente, graças aos governos que o antecederam o "outro lado da ponte" virou cidade.

O escritor Cyro Martins nem reconheceria o lugar descrito em seu livro "Estrada Nova".

Aproximavam-se de Alegrete. Faltava a Ricardo a necessária coragem para fazer a pergunta que naturalmente lhe ocorreu: "E o que lhe resta depois de tantas testavilhadas? Isto, entretanto, seria como que faltar ao respeito a um homem já com tantas ofensas à sua seriedade. Mas seu Fábio  adivinhou-lhe o pensamento, não tardando  em rematar a conversa.

- E agora - fez um gesto desguaritado, de mãos espalmadas - só me resta a "aldeia" do Batista ou o "povinho da lata" do Alegrete.

O trem encabeçou na ponte do Ibirapuitã, apitando. Rancherio, poeira, pobreza. 


Porto Alegre, 18 de maio de 2021.

Imagem: arquivo pessoal

Edu Cezimbra 

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